Entenda ponto a ponto o que pode mudar com a reforma administrativa

Propostas incluem PEC, PLP e PL que alteram forma de ingresso, salários iniciais, estágio probatório, contratações temporárias, teletrabalho e bônus por desempenho. Texto também busca limitar supersalários, unificar carreiras e ampliar transparência nos gastos com servidores

(FOLHAPRESS) As propostas da reforma administrativa foram apresentadas nesta quinta-feira (2) depois de meses de discussões em um grupo de trabalho, em uma assembleia geral e de entrevistas.
No total, são três projetos diferentes: uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), um PLP (Projeto de Lei Complementar) e um PL (projeto de lei).

A proposta de reforma traz alterações em diferentes aspectos do serviço público. Contempla forma de ingresso, uma reorganização das carreiras em uma tentativa de diminuir o número e alterar os incentivos para os servidores públicos, propostas para atacar com supersalários e disciplinar verbas indenizatórias e medidas que alteram o trabalho dos gestores eleitos.

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) foi o coordenador do GT (grupo de trabalho) da reforma administrativa da Câmara. As propostas nasceram desse trabalho, mas ele não assina a autoria dos projetos. A PEC, por exemplo, tem como autores os deputados Zé Trovão (PL-SC), Fausto Santos Jr. (União Brasil-AM), Marcel van Hattem (Novo-RS), Neto Carletto (Avante-BA) e Júlio Lopes (PP-RJ).

VEJA ABAIXO COMO ALGUMAS DAS PROPOSTAS DA REFORMA ALTERAM O FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO:

FORMA DE INGRESSO

REDUÇÃO DO SALÁRIO INICIAL

Um dos objetivos das mudanças é impedir que um servidor atinja rapidamente o topo de uma carreira e “passe grande parte de sua trajetória funcional estagnado”. A ideia é garantir uma progressão gradual.

Além da marca mínima de 20 níveis de progressão, o salário inicial será limitado a, no máximo, 50% do nível mais elevado.
Ingresso em nível mais alto

Foi criada uma previsão para concurso para níveis maiores de experiência. 

“Nem todo servidor precisa começar do nível inicial”, afirma-se no texto.

“Há casos de executivos que estão há anos em cargos de comissão. Para eles, é preciso ter uma fase de avaliação de experiência executiva”, afirma o professor Fernando Coelho, da USP.

A ideia é buscar profissionais “que já tenham a qualificação e/ou expertise necessárias para a função em questão”.

A proposta fixou uma trava de 5% do quadro para essas excepcionalidades.

ESTÁGIO PROBATÓRIO

“Há uma clara percepção de que o instrumento do estágio probatório é inoperante”, diz o texto.

Os primeiros três anos dos servidores públicos concursados são de estágio probatório, período em que, teoricamente, eles deveriam ser avaliados em relação à sua aptidão e capacidade para desempenhar o trabalho.

Na prática, são poucos os servidores que não passam nesse estágio -segundo dados do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação), entre 2014 e 2024, os reprovados foram 0,19% do total.

A proposta de reforma prevê que as avaliações deverão determinar se o servidor vai permanecer no cargo. O estágio probatório também terá programas para capacitação.

TEMPORÁRIOS

Para os autores, não existe um modelo objetivo e funcional para as contratações temporárias, mas mesmo assim a administração pública usa muito esse tipo de trabalhador.

A proposta busca estabelecer normas sobre essas contratações -a justificativa é que esse já é um vínculo adotado em todo o território nacional, mas de forma precária e sem garantias aos contratados.

O texto estabelece que todos os temporários deverão passar por processo seletivo, o tempo máximo de duração do contrato deve ser de cinco anos e, ao longo desse período, serão garantidos direitos como férias e licença-maternidade.

A quarentena para recontratação foi fixada em 24 meses para a garantia de cumprimento dos direitos.

SERVIDORES

TELETRABALHO

A proposta determina que um órgão deve ter, no máximo, 20% de sua força de trabalho remota por um dia por semana.
“O servidor poderá trabalhar remotamente um dia na semana, podendo essa proporção ser ampliada mediante ato específico do chefe máximo do órgão, com a devida justificativa e transparência.”

DIMINUIÇÃO DO NÚMERO DE CARREIRAS

Um dos principais propósitos da reforma é enxugar o número de carreiras e incentivar as que são transversais -ou seja, quando o profissional pode trabalhar em diferentes órgãos.

No serviço público, o que se chama de carreira não é a trajetória profissional inteira de uma pessoa, mas, sim, um cargo que cada servidor ocupa.
Hoje, algumas carreiras são muito parecidas, mas têm remunerações diferentes.

Por exemplo, o cargo de analista administrativo no governo federal pode ter uma remuneração inicial de R$ 5.213, caso seja ocupado por servidores que trabalham no Incra, ou de até R$ 15 mil se a posição for nas agências reguladoras, como a Anac (Agência Nacional da Aviação Civil). Isso porque, apesar de a denominação ser idêntica, há sete cargos de analista administrativo na administração pública federal, de acordo com o Painel Estatístico de Pessoal do MGI (Ministério de Gestão e Inovação).
Aumento dos níveis de progressão dentro de cada carreira

Os níveis de progressão são as “promoções” dentro do serviço público. O servidor não muda de carreira, mas vai aumentando de nível e, assim, recebe mais.

A reforma administrativa traz a marca mínima de 20 níveis de progressão, limitando o salário inicial em, no máximo, 50% do nível mais elevado.

REMUNERAÇÃO

FÉRIAS DE 60 DIAS

Uma estratégia para limitar os pagamentos além do teto é acabar com a “venda” de férias. Para evitar isso, a reforma fixa na Constituição regras que proíbem férias superiores a 30 dias, limitam ao adicional de férias a um terço da remuneração e impedem adicionais, progressões e licenças condicionadas ao tempo de serviço.

Todas as verbas indenizatórias ou remuneratórias teriam que passar pelo Poder Legislativo (hoje, muitos desses pagamentos são decididos pelo CNJ ou pelo CNMP).

Também há vedação à concessão de folgas para compensar “excesso de trabalho” e à conversão de folgas ou férias em dinheiro.
Por fim, determina que só se pode pagar adicional de insalubridade a “efetiva exposição a fatores de risco”.

SUPERSALÁRIOS

De acordo com a proposta, o Brasil “não tem uma despesa excessiva com servidores públicos” e, como proporção do PIB, as despesa da União com servidores ativos “encontra-se, atualmente, na mínima histórica” de 3,1%.

O problema, segundo o projeto, é que “uma pequena parcela dos servidores integrantes da chamada ‘elite do funcionalismo’ (juízes, promotores, advogados públicos, especialmente no âmbito dos Estados) ganham muito mais do que o resto dos servidores através de pagamentos indenizatórios, que não entram no teto remuneratório dos agentes públicos. Ou seja, são os supersalários.

Por isso, a reforma proíbe qualquer tipo de licença ou outras vantagens ou verbas não previstas em lei com a finalidade de compensar acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias, exercício de função relevante singular, acumulação de acervo processual, procedimental ou administrativo e qualquer outro trabalho excedente.

Também serão proibidos atos infralegais que aumentem salários.

O texto define as verbas indenizatórias da seguinte forma: têm natureza reparatória, sendo destinadas à compensação de despesas efetivamente suportadas pelos agentes públicos como condição necessária ao exercício das funções.

Afirma-se também que elas devem possuir natureza episódica, eventual e transitória. O texto veda o pagamento rotineiro e permanente e a concessão geral e indistinta à todos integrantes de uma carreira.

14ª FOLHA DE PAGAMENTO

O texto afirma que a remuneração no setor público precisa ser “ser competitiva o suficiente para atrair e reter servidores qualificados e motivar o desempenho” e que por isso há espaço para um bônus de resultado. A ideia é que seja algo facultativo.

Ainda segundo o texto, a literatura acadêmica sobre as experiências com o tema mostram que esse bônus “pode gerar efeitos diretos positivos em áreas com resultados mensuráveis, como ensino, saúde e arrecadação”, nas que “para funções de formulação de políticas e administração central, os efeitos diretos tendem a ser fracos”.

A proposta é distribuir um 14°, mas apenas para as equipes que atingirem suas metas “de forma meritocrática e transparente”. O servidor pode ficar sem bônus nenhum, mas de acordo com o desempenho dele, pode receber até mesmo dois salários a mais por ano.

Esses valores não serão levados em conta na hora de calcular se a remuneração do servidor extrapola o teto constitucional.

Para poder pagar os bônus, os órgãos não podem gastar mais de 90% do limite de despesa pessoa.

GESTORES

PLANO PARA TAMANHO DA FOLHA

Há uma previsão de normas nacionais para toda a administração pública para a gestão de servidores.

Cada ente federativo deverá fazer uma projeção para os próximos dez anos de quantos funcionários eles deverão ter (essa estimativa deve ser feita com base nos dez anos anteriores).

NOVO DOCUMENTO DE PLANEJAMENTO

Hoje existem três principais instrumentos de planejamento, o PPA (Plano Plurianual), que os eleitos devem fazer ao longo do primeiro ano e que vigora durante quatro anos, até o fim do primeiro ano do exercício seguinte, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária Anual).

A proposta da reforma institui um planejamento estratégico que os eleitos deverão apresentar em 180 dias de mandato. Isso não precisará ser aprovado no Legislativo, mas os outros instrumentos (PPA, LDO e LOA) precisam ser baseados nele.

Metas

O documento desse planejamento estratégico deve ter medidas objetivas (quantitativa ou qualitativa) para medir o desempenho de órgão ou entidade pública ou de política pública e também uma meta de resultado.

No projeto de lei da reforma administrativa há uma determinação para que se faça uma avaliação dos resultados que considere, além dos indicadores, uma pesquisa de satisfação de usuários e de partes interessadas.

O texto obriga que todos façam avaliações de políticas públicas. Cada projeto precisa ter objetivos e metas claras, considerando seu custo de implementação, e cria-se um sistema nacional de avaliação (batizado de Sinap, Sistema Nacional de Avaliação de Políticas Públicas).

Papel dos tribunais de conta

A reforma muda as responsabilidades dos tribunais de conta, tanto do TCU (Tribunal de Contas da União) como os estaduais.
Os órgãos dos estados serão obrigados a seguir um mesmo padrão, que passa a ser o do TCU (Tribunal de Contas da União).

“O TCU poderá estabelecer súmula vinculante de controle externo, que aplica entendimentos sobre determinado assunto para ser seguido por todos os tribunais de contas.”

Fora isso, os tribunais também vão ter a responsabilidade de avaliar e monitorar os resultados dos planejamentos estratégicos para “verificar a legalidade e regularidade do pagamento de bônus”.

O texto também dá mais autonomia para os tribunais de contas firmarem acordos. “O tribunal poderá trazer as partes para avaliar soluções que destravem os impasses em torno dos contratos ou situações fáticas.”

CONTRATOS

Gastos

O texto dá status constitucional à revisão de gastos.

O governo deverá criar um comitê de revisão de gastos, que selecionará determinadas despesas para estudar. Com as informações das avaliações de políticas públicas e das auditorias do tribunal de contas, esse comitê vai verificar “se as melhorias implementadas geraram um melhor impacto da política pública na sociedade”.

A reforma também prevê uma mudança em compras públicas. Todos os entes (prefeituras, governos estaduais e União) terão parâmetros de preços. A ideia é evitar grandes diferenças em valores pagos a um mesmo produto em locais diferentes.

TRANSPARÊNCIA COM GASTOS DE PESSOAL

Um trecho da proposta busca dar mais transparência às remunerações dos servidores.

Apesar de os salários serem divulgados em portais de transparência, muitos pagamentos de outra natureza, que não salarial, não são tornados públicos. A ideia, agora, é que qualquer valor recebido por agente público deverá ser divulgado no Portal da Transparência.

CONSELHO DE GESTÃO FISCAL

O texto também cria um Conselho de Gestão Fiscal, que poderá tomar decisões sobre ambiguidades na classificação de alguma despesa.
Esse órgão também poderá análises técnicas da situação das dívidas dos estados e se os entes federativos estão adotando boas práticas fiscais.

CARGOS COMISSIONADOS

Até 5% do total de cargos providos em todos os entes federativos poderão ser preenchidos por comissionados, com exceção dos municípios com menos de 10 mil habitantes, nos quais o limite será de até 10%.

Entenda ponto a ponto o que pode mudar com a reforma administrativa

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