Financeiras que travam celular em caso de calote avançam, apesar de proibições judiciais

O antivírus da Kaspersky bloqueou 88 mil apps do tipo entre agosto de 2024 e julho deste ano

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os aplicativos de bloqueio remoto em caso de calote avançam no Brasil, apesar de proibições judiciais contra a prática.

O antivírus da Kaspersky bloqueou 88 mil apps do tipo entre agosto de 2024 e julho deste ano. São 43 vezes o número de ocorrências registrado há dois anos, nos 12 meses entre setembro de 2022 e agosto de 2023.

Para receber crédito dessas empresas, os consumidores instalam aplicativos capazes de travar o funcionamento do aparelho, em método conhecido como “kill switch” (botão de desligar, em inglês). A Kaspersky bloqueia uma lista de apps de instituições financeiras com essa funcionalidade por considerar que há risco de extorsão.

Tribunais no Distrito Federal e no Amazonas já consideraram que a oferta de crédito mediante a instalação do kill switch é ilegal, embora não exista veto específico sobre a prática.

No período analisado pela Kaspersky, a Supersim, uma correspondente bancária conhecida por oferecer crédito usando o celular como garantia, foi proibida de operar com essa condição em contratos.

A decisão é de maio de 2025. Os contratos feitos antes disso continuam válidos e quem os assinou ainda pode acabar com o celular inutilizado em caso de inadimplência.

O MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) e o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) argumentaram que a medida viola direitos básicos dos consumidores (garantia à dignidade, à comunicação, ao trabalho e à informação). A argumentação foi acatada parcialmente pela 2ª Turma Cível do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios).

A juíza Ana Letícia Martins Santini considerou a instalação do kill switch uma prática abusiva e determinou a nulidade da cláusula, por julgar que houve violação do Marco Civil da Internet. Com isso, a Supersim foi proibida de divulgar seu aplicativo nas lojas de aplicativo de Google e Apple, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. A Justiça ainda determinou pena de R$ 10 mil por contrato irregular firmado após o veredito.

A Supersim apelou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedindo absolvição. O pedido ainda está sob juízo de admissibilidade, a checagem prévia feita pela corte antes de avaliar o mérito. “Confiamos em um desfecho favorável, que permita ampliar nossa missão de inclusão financeira das classes C e D”, diz a empresa em nota.

Como a decisão do TJDFT vale só para Supersim e seu outro cadastro de pessoa jurídica, a Socinal, empresas concorrentes seguem no mercado. Os correspondentes bancários Juvo e Mister Money ofertam crédito com essa mesma condição. Ambas estão presentes na Play Store, a loja de aplicativos do Google.

De acordo com a Mister Money, os contratos com celular como garantia permitem acesso ao crédito a pessoas negativadas, mesmo sem comprovação de renda. O aparelho como contrapartida também permitiria baixar os juros praticados, por causa da menor probabilidade de calote.

A Mister Money ainda diz que tenta negociar “antes de tomar medidas mais sérias” se a pessoa atrasar as parcelas. “O bloqueio remoto do celular, que impede o uso do aparelho, é o último passo, usado só após várias tentativas de contato.”

Simulador no site da empresa mostra esta oferta: um empréstimo de R$ 5.000 pago em 36 parcelas de R$ 516,72, o que soma R$ 18.601,92.

A Juvo diz que se diferencia das concorrentes por atuar com um modelo de alienação fiduciária previsto na lei. “Estamos em conformidade com o Código Civil e com o Código de Defesa do Consumidor.” Segundo o comunicado, a companhia afirma que não coleta dados e “bloqueia apenas apps não essenciais”.

Até julho, a empresa liberou R$ 1,6 bilhão de crédito graças ao formato. Na ocasião, a Juvo havia captado R$ 140 milhões via FIDC, um fundo dedicado à compra de dívidas e outros recebíveis futuros.

De acordo com o diretor da equipe de pesquisa da Kaspersky para a América Latina, Fábio Assolini, esses aplicativos de empréstimo podem funcionar como um vírus. “Roubam informações pessoais, fotos e contatos, e até bloqueiam o celular da vítima como forma de extorsão.”

A promessa de crédito fácil, diz Assolini, funciona como gancho para a pessoa instalar o programa, que o especialista chama de “spyloan”. Esse aplicativo não é o que fica na loja do Google -as instituições orientam a baixar outro direto de página web durante a contratação do empréstimo.

A empresa “normalmente não coloca esse módulo na loja de aplicativos porque ele sabe que será removido em caso de denúncia”, diz o pesquisador da Kaspersky.

Em outros países como o México, único país da América Latina em que a prática é mais prevalente do que no Brasil, há reportagens mostrando casos em que fotos íntimas de vítimas foram meio de extorsão na cobrança de inadimplentes.

Os spyloans não podem ser desinstalados pelas vias tradicionais e impedem os usuários de restaurar as configurações de fábrica -o chamado “hard reset”. Na internet, há tutoriais de como desinstalar os aplicativos de empréstimo, o que envolve desativar uma série de permissões do app.

Assolini alerta que há pessoas que vendem o desbloqueio do aparelho como um serviço. “Contratar um desconhecido na internet para mexer remotamente no seu aparelho, que já está comprometido, é um risco enorme. O usuário pode estar, na verdade, pagando para instalar um malware ainda mais perigoso ou ter todos os seus dados definitivamente roubados.”

A Juvo diz que só trabalha com o aplicativo disponível nas lojas oficiais, que atende “todos os requisitos de segurança estabelecidos por elas”.

No caso Supersim, a Justiça do DF negou um pedido de indenização coletiva contra a empresa, por não haver evidências para comprovar dano contra todos os clientes. Caso a reivindicação fosse aceita, os consumidores da correspondente bancária poderiam solicitar reparações financeiras. O Idec tenta reformar essa decisão no STJ.

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